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A Neuropsicologia e o comportamento desviante

Em suma, a característica principal de um sistema funcional seria a presença de uma tarefa constante (constância do sistema) realizada por mecanismos variáveis (variação), levando o processo a alcançar um resultado constante (constância de resultado)”.

A outra característica deste tipo de sistemas seria a complexidade da sua composição, que envolve sempre vias aferentes (adaptação – adjusting) e eferentes (effector). Parafraseando Freeman (1997) o poder do cérebro reside não no seu tamanho mas na complexidade das suas conexões entras as várias partes funcionais.

O raciocínio exposto anteriormente deve ser levado em consideração quando pensamos nas várias funções levadas a cabo pelo e no sistema nervoso central. Para a experiência humana, funções ou fenómenos tais como os comportamentos, as emoções, a consciência, etc., não podem ser reduzidos a uma visão localizacionista num tecido cerebral único. Antes sim devem ser compreendidos como o resultado da interacção de várias estruturas particulares interagindo de forma interdependente (sugere-se a consulta de The Understanding of the Brain de Jhon Eccles, 1972, como uma obra clássica na compreensão do cérebro e do seu funcionamento).

Assim por exemplo, o sujeito que vai a subir as escadas do seu prédio, apressadamente, de uma forma automática, levando na mente o resultado da final do campeonato do mundo de futebol que está a decorrer naquele preciso instante, tentando colocar-se à frente do televisor ainda antes do apito final e que de repente tropece num degrau, fará activar automaticamente as células piramidais do córtex motor primário, que lhe permitirão esticar as mãos para a frente protegendo-se de uma eventual queda. Nesse exacto momento, e por breves instantes, as áreas cerebrais responsáveis pela manutenção do conteúdo “futebol” no campo da sua consciência, deixam de estabelecer como primazia a sua preocupação de ver os momentos finais do jogo em questão, e o que passa a ser essencial para o sujeito (naquele momento) é proteger-se de uma eventual queda nas escadas, activando áreas cerebrais diferenciadas… passada a situação de perigo, o sujeito poderá voltar a “concentrar-se” na sua preocupação futebolística, deixando descansar os sistema piramidal activado na emergência.

A reflexão acerca do conceito de função obriga-nos a fazê-la acompanhar-se de uma reflexão acerca do termo localização (Cf. Luria, 1973).

Da mesma forma que se defende que uma dada função pode estar localizada numa determinado conjunto celular ou que outras funções requerem a actuação de variadas estruturas (como é o caso da respiração, explorado atrás), assim também se postula, quanto ao termo localização cerebral, um carácter de implicação funcional. Isto é, quando falamos em funções como sejam a actividade cognitiva, a consciência, a integração sensorial, entre outras, é necessário percebê-las enquanto possibilitadas pela acção daquilo a que Luria (1973) chamou de “um conjunto organizado em sistemas de zonas trabalhando concertadamente, cada uma das quais desempenhando um papel específico num sistema funcional complexo”. Para além deste carácter sistemático, este autor defende ainda que a localização das funções mentais superiores nos humanos, “nunca é estática, ou constante, mas adapta-se e desenvolve-se, nomeadamente ao longo do crescimento infantil e, posteriormente, sob acção do treino”.

Embora esta afirmação de Luria possa parecer estranha à primeira vista, façamos o seguinte exercício mental: tome-se como exemplo o próprio leitor. Se o livro que está a ler neste momento, lhe fosse oferecido durante os primeiros anos da sua infância, digamos, aos cinco anos de idade, a forma como provavelmente o mesmo livro seria transformado em informação codificável assentaria essencialmente em características visuais (pistas visuais: cor, formato, imagens na capa, etc.), tácteis (a textura do papel: se é papel cartão, se é papel laminado, etc.) … ou seja, o leitor pensaria no livro com base nas características concretas do livro (thinking by recollecting; Luria, 1973). Todavia, durante a sua adolescência ou vida adulta, com o correspondente desenvolvimento cortical e das respectivas funções complexas superiores, a capacidade de abstracção e generalização estão já muito mais desenvolvidas e assim permitiriam que, perante a apresentação do mesmo estímulo (o livro que está a ler) pudesse despoletar-se “a conversão de percepções e memórias simples em formas complexas de sínteses e análises lógicas (…) em que o sujeito começa a percepcionar o mundo através essencialmente da reflexão”.

Dada a relevância deste aspecto para a percepção do funcionamento neuropsicológico e a respectiva avaliação transcreveremos um excerto da referida obra de Luria (The Working Brain, 1973, pp 33):

“Esta alteração na relação entre os processos psicológicos fundamentais leva a alterações na relação entre os sistemas fundamentais do córtex, na base das quais esses mesmos processos serão levados a cabo. Consequentemente, na criança muito jovem, uma lesão das zonas corticais responsáveis por uma forma relativamente elementar de actividade mental (por exemplo, o córtex visual) suscita invariavelmente, como um efeito “sistémico” ou secundário, ao desenvolvimento imperfeito de estruturas superiores assentes nestas zonas mais básicas. No adulto, em quem estes sistemas complexos não só foram formados como terão que desempenhar uma influência decisiva na organização de formas mais simples de actividade, uma lesão em áreas “inferiores” não é mais importante do que se essa lesão se verifica-se em estágios mais precoces do desenvolvimento. Ao contrário, uma lesão de áreas superiores leva à desintegração das mais elementares funções, que por esta altura adquiriram um estrutura complexa e começaram a depender intimamente como a mais organizada das actividades”.

Para o autor esta é uma das principais proposições introduzidas pelos investigadores da reconhecida Psicologia Soviética à teoria da “localização dinâmica” das funções mentais superiores. Desta feita, em neuropsicolgia, nomeadamente no campo da avaliação neuropsicológica, a função de uma neuropsicólogo não é a “localização” de processos mentais humanos superiores, antes sim “primar pela análise cuidada de grupos de zonas cerebrais implicadas concertadamente enquanto responsáveis pela performance da actividade mental complexa; qual a contribuição de cada uma dessas zonas para o sistema funcional complexo; e como é que a relação entre este trabalho concertado de diferentes partes do cérebro na performance humana se altera ao longo dos diferentes estágios de desenvolvimento” (Luria, 1973).

Em suma, e ainda nas palavras de Luria (1973) o papel da neuropsicologia remete assim para a